domingo, 20 de fevereiro de 2011

A vida do gueto de Varsóvia num romance policial

"Os Anagramas de Varsóvia" é o mais recente romance do escritor americano Richard Zimler, um policial passado no gueto judaico de Varsóvia onde, no Outono de 1940, as tropas nazis encerraram numa pequena área da capital da Polónia cerca de 400 mil judeus.
Um romance de contornos negros, de uma busca perigosa e desesperada pela verdade e pela justiça, de traição e arames farpados, reais e do subconsciente, a vida de uma ilha urbana cortada do mundo exterior.
Ouça aqui o programa Tribuna Cultural com Richard Zimler
Uma viagem sombria e comovente pelo inferno Nazi e pelos mínimos recantos da coragem que restava nos que tentavam sobreviver.
A história decorre após a criação pelos Nazis do gueto de Varsóvia, "para onde Erik Cohen, um velho psiquiatra, é forçado a mudar-se para um minúsculo apartamento com a sobrinha e o seu adorado sobrinho-neto de nove anos, Adam".
"Num dia de frio cortante, Adam desaparece. Na manhã seguinte, o seu corpo é descoberto na vedação de arame farpado que rodeia o gueto. Uma das pernas do rapaz foi cortada e um pequeno pedaço de cordel deixado na sua boca. Por que razão terá o cadáver sido profanado?"
"Erik luta contra a sua raiva avassaladora e o seu desespero jurando descobrir o assassino do sobrinho para vingar a sua morte. Um amigo de infância, Izzy, cuja coragem e sentido de humor impedem Erik de perder a confiança, junta-se-lhe nessa busca perigosa e desesperada."
"Em breve outro cadáver aparece - desta vez o de uma rapariga, a quem foi cortada uma das mãos. As provas começam a apontar para um traidor judeu que atrai crianças para a morte".
'Busca perigosa e desesperada'

Os romances de Richard Zimler são bestsellers em vários países
"Neste thriller histórico profundamente comovente e sombrio, Erik e Izzy levam o leitor até aos recantos mais proibidos de Varsóvia e aos mais heróicos recantos do coração humano", pode lêr-se na sinopse do romance.
Rectificar injustiças
Depois do mega-sucesso que foi "O Último Cabalista de Lisboa" - o primeiro romance de Richard Zimler, premiado internacionalmente e bestseller em vários países - o escritor americano radicado no Porto, em Portugal, desde 1990, continuou a criar histórias de sobrevivência, de sofrimento e redenção: através das tradições e da fé, do metafísico e da cabala.
Se em "O Último Cabalista de Lisboa", a acção decorre em 1506, entre os judeus forçados a converterem-se ao cristianismo, no reinado de D. Manuel I, neste "Os Anagramas de Varsóvia" a acção tem lugar em Varsóvia, no gueto, em plena guerra, sob o espectro da ameaça Nazi.
Prestes a apresentar o seu romance aqui em Londres, na Jewish Book Week, ou Semana do Livro Judaico, a BBC perguntou a Richard Zimler porque é que decidiu escrever mais um livro sobre uma realidade tão crua e sombria?
RZ:A história dos judeus durante a 2ª Guerra Mundial é evidentemente uma tragédia, mas eu queria evitar escrever um livro deprimente, eu acho que isso não adianta nada. Por isso, penso que este livro é muito cativantes. É um livro de um certo heroísmo, por parte das personagens, mas eu gosto de contar histórias, não diria trágicas mas com muita emoção e muito drama e porque eu adoro tentar rectificar uma injustiça; ou seja, a minha bateria, quando eu escrevo um romance, é realmente a necessidade de rectificar uma injustiça.
Por isso à vezes conto histórias de pessoas cujas vozes foram sistemáticamente silenciadas, neste caso os judeus que eram prisioneiros, primeiro nos guetos da Polónia e de outros países europeus e que, depois, foram transportados para os campos de morte.
BBC: Temas como a injustiça, traição - mesmo interna e no seio da família -, entre outros, voltam a figurar neste seu último romance. Porquê?
RZ: É verdade. Eu acho que o que me interessa é realmente a vida real. Eu sou um romancista histórico - do século XVI em Lisboa ao século XX em Varsóvia, estou realmente a falar do nosso tempo actual, porque estou a falar de assuntos muito importantes: da crueldade, da tolerância e intolerância, solidariedade, amor, morte e traição. Eu acho que tudo isso vai cativar o leitor e tudo isso conta a vida como realmente é.
Eu não gosto muito de fantasia, e para mim contar uma história que decorre durante o tempo do Holocausto seria imperdoável tentar suavizar a história ou tornar a história um pouco mais 'Hollywoodiana' com um final feliz. Não, eu queria contar como era.
BBC: Acha-se uma pessoa política?
RZ: Há uma pessoa mais famosa do que eu - não me recordo bem quem neste momento - que disse que 'tudo é político'! Ou seja, eu acho que qualquer história bem contada sobre o seu humano, sobre as suas dificuldades - não só pessoais ou familiares - mas adaptando-se à sua sociedade, por exemplo, ou sobre as dificuldades que os governos ou ditaduras criam sobre a vida pessoal dos cidadãos - até da suua vida sexual - eu penso que isso é muito fascinante e por isso eu não desenharia uma fronteira entre a política, a história e a vida pessoal.
BBC: Apesar das suas raízes judaicas, o Richard é um estudioso do judaísmo? Como é que aconteceu o seu conhecimento do cabalismo?
RZ: A cabala de facto fascina-me e foi uma descoberta que aconteceu ao acaso. Eu estava a pesquisar para o 'O Último Cabalista de Lisboa'. Estava a tentar saber tudo sobre a vida quotidiana dos judeus em Lisboa no século XVI. Eu lembro-me que estava em casa da minha mãe, perto de Nova Iorque, e ela tinha uma biblioteca maravilhosa, e deparei-me com um livro sobre a cabala, escrito pelo grande especialista do século XX Gershom Scholem - e que é um dos meus heróis.
Peguei no livro e comecei a lê-lo e fiquei fascinado porque era um ramo do judaísmo sobre o qual eu não sabia absolutamente nada. O ramo mais mitológico. A partir daí eu comecei a lêr cada vez mais e como em qualquer aspecto da vida de um escritor, acabou por entrar nos meus livros, entre linhas por vezes, quero dizer com isso que não faço uma tentativa consciente de colocar a cabala nos meus livros, mas como é uma coisa que me interessa muito e que interessava muito aos judeus do século XX, naturalmente figura neste livro.
BBC: É por isso que as suas personagens andam a 'deambular' entre um lado e o outro, entre o eterno e o misterioso, o real e o fictício?
RZ: Em parte também foi uma consequência do próprio gueto de Varsóvia. Isto é, tratava-se de uma situação perfeitamente anormal, estranha e surrealista. Imaginem alguém, um habitante de Varsóvia, que é forçado a deixar a sua casa e a entrar numa outra, na zona histórica, e a viver com pessoas que se calhar ele não conhece, deixar de trabalhar... quer dizer, tudo mudava para os judeus de uma forma muito repentina.
Como essa situação era muito desorientadora, os judeus começavam naturalmente a questionar não só a história e a política, mas a sua própria identidade, portanto eu acho que isso faz parte do livro também: a procura de uma nova identidade que se enquadrasse melhor na nova realidade que era o internamento num gueto".
"Os Anagramas de Varsóvia" - uma história de sobrevivência face à injustiça e à perseguição, nomeada em 2009 como Livro do Ano pela revista portuguesa LER e como um dos 20 melhores livros da década pelo diário português O Público - é apresentado pelo escritor aqui em Londres, a 27 de Fevereiro na 'Jewish Book Week', a Semana do Livro Judaico.

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